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November 29, 2015

Olá - Adele

Por que “Hello” funciona: Uma análise aprofundada do grande sucesso de Adele

Escrito por Adele Adkins & Greg Kurstin
Produzido por Greg Kurstin
Mixado por Tom Elmhirst
Masterizado por Tom Coyne

Um cenário musical em mudança

Quase tudo mudou

Tem sido notícia mainstream recentemente que as coisas estão mudando constantemente no mundo da música. Há pouco que não tenha mudado nos últimos vinte anos: como as canções são escritas, como os discos são feitos, quanto tempo leva, como são distribuídos, como são comprados, como são ouvidos, etc, etc… Poucas coisas são constantes.

O que ainda importa

Existem, no entanto, alguns detalhes que permanecem inabaláveis: um grande cantor é um grande cantor. Uma grande canção é uma grande canção. Dito isso, você e eu conhecemos pelo menos um grande cantor com ótimas músicas que não está indo a lugar nenhum. Certo? É frustrante ver tanto talento não recebendo o reconhecimento adequado e não conseguindo viver decentemente escrevendo e apresentando suas canções porque, sabe, é muito melhor do que aquela porcaria QUE NOS colocam no rádio. Não é?

Por que só talento não basta

Acho que o problema é que é preciso bem mais do que um ótimo cantor e uma ótima canção para passar pelo sempre esquivo filtro da parte comercial do negócio da música. É preciso uma rede, uma equipe de pessoas — de compositores a produtores, de designers gráficos a promotores de shows e diretores de vídeo, todos com suas próprias redes —, é preciso encontros casuais com tomadores de decisão dentro e fora do meio musical, disposição para sofrer com repetições entorpecentes, disposição para monetizar sua arte sem se sentir sujo, disposição para dormir apenas algumas horas por noite nos próximos 10 ou 15 anos e, vou ser técnico aqui por um segundo, coragem. Muita. É preciso coragem para continuar fazendo o seu próprio trabalho diante de um sucesso inicial quando a vida financeira de todo o talento mencionado passa a se indexar a cada uma das suas decisões. Muitos vacilaram e cederam sob essa pressão. Mas, aparentemente, não Adele.

Como “Hello” virou um hit?

Retrato em close de Adele do vídeo “Hello” para análise de produção musical da Puremix

Um single pensado para impacto massivo

É um testemunho da equipe dela, da gravadora e do time de promoção, na minha opinião, que o novo single de Adele foi um sucesso quase antes de ser lançado. Alguém mais percebeu a vertiginosa velocidade de adoção mundial dessa canção ‘Hello’? Passaram-se exatamente 30 dias, no momento em que escrevo, desde que ‘Hello’ foi lançado. Foi anunciado como a próxima maior coisa no negócio da música em 24 horas após seu lançamento... no Youtube. E subsequentemente vendeu um milhão de cópias digitais em uma semana. Como se faz isso? Tenho quase certeza de que posso dizer que o mundo não estava ali mentindo, esperando saudoso pelo novo single de Adele. As pessoas seguavam suas vidas habituais e então, boom, todo mundo que escreve sobre isso fez todos sentirem que era importante ouvir ‘Hello’. E funcionou. Você conseguiria fazer isso sozinho, com seu novo single e o orçamento de marketing adequado? Provavelmente não. É preciso mais do que só uma música e um orçamento. Esse sucesso da noite para o dia é realmente o culminar de anos e anos de construção na carreira de Adele. Dito isso, acho interessante olhar de perto a canção para descobrir o que a tornou a escolha certa para esse incrível golpe de publicity.

Uma balada que quebra as ‘regras’

Primeiro, é uma balada. O quê? Mas eu pensei que era preciso ter uma música animada para alcançar sucesso mundial. Você não ouviu isso na sua última reunião de A&R? Bem, sim eu ouvi, e?

Segundo, ela tem quase 5 minutos. Ah, mas nada pode passar de 3,30min, vai ser cortado. Aparentemente não.

Terceiro, não há bateria de verdade ou instrumentos percussivos genuínos na maior parte da música. Isso não vai pra frente.

Acho que foi, de qualquer forma. Vá entender.

Estrutura da canção

Adele se apresentando ao vivo com “Hello”, usado na análise vocal de produção da Puremix

Introdução e verso longo

Estruturalmente, ‘Hello’ é uma balada clássica com um bom movimento harmônico. A introdução tem 2 compassos, declarando a estrutura de acordes que sustenta a maior parte da canção. Fm Ab Eb Db. Depois vem um verso longo composto por duas seções simétricas de 8 compassos. É bastante longo quando se pensa nisso. Faz o ouvinte esperar 1 min e 6 segundos antes do primeiro refrão chegar.

Mudança harmônica no pré-refrão

Em seguida vem o pré-refrão. São 4 compassos e é a primeira vez que a música se afasta da estrutura principal de acordes. Isso desperta seu cérebro justamente quando você estava pronto para começar a pensar em outra coisa. Os acordes são muito enharmônicos em relação aos acordes do verso e do refrão, Fm Eb Cm Db, mas proporcionam uma saída suficiente para que toda a cor mude (o Cm nessa sequência traz um pouco da vibe de ‘Time after Time’, o que é divertido).

Truques rítmicos que amplificam a emoção

É também a única parte em que se afasta do ritmo de colcheia pontuada, colcheia ligada a uma semínima com ótimo efeito. Note como no compasso 3 de ambos os pré-refrões, a cadência harmônica muda para colcheia pontuada, colcheia ligada a uma semínima ao invés de uma mínima, com o acorde Db batendo no tempo 4 em vez do ritmo ao qual fomos embalados desde o início (que se esperaria bater no tempo 1 do compasso seguinte). É muito eficiente. Cria uma surpresa, uma pequena aceleração e faz com que o compasso seguinte pareça extra longo, como um compasso em 5/4, o que faz o tempo forte do refrão parecer retardado e dramático. Muito esperto, muito simples e muito foda. (Separe 10 minutos, aprenda o pré-refrão e toque das duas maneiras, com e sem aquele truque do tempo 4 no compasso 3, e veja qual soa mais emocional)

Refrão e segundo verso mais curto

Então vem o refrão, espelhando o verso em acordes e estrutura. É apenas uma nova melodia sobre o mesmo material, mas parece nova e elevada. Em seguida temos outra introdução, exatamente igual ao início da música, e um novo verso. O 2º verso tem apenas 8 compassos, não 2X8 como da primeira vez, o que ajuda a fazer a canção avançar. Tenho certeza de que acharam que seria enfadonho ter outro verso de 16 compassos nesse tempo. Ou ela ficou sem coisas a dizer. Difícil de adivinhar. Depois vem o segundo pré-refrão e o segundo refrão. Espelhos dos primeiros.

Ponte e outro

A ponte tem 8 compassos e é baseada nos acordes do pré-refrão, mas com o mesmo arranjo do refrão. Em seguida voltamos a um refrão de 16 compassos com o outro sendo uma espécie de moldura da introdução, com um efeito de reverb legal na última nota de piano.

Simples, elegante, difícil de fazer.

Produção instrumental

O produtor Greg Kurstin no estúdio, destacado na análise da Puremix sobre “Hello” de Adele

Piano, reverb e arranjo esparso

Em termos de produção, não há muito de extraordinário acontecendo. É uma combinação de muitas coisas que já ouvimos antes nos discos de Adele. O som do piano, porém, é muito bom. Bem estéreo sem separação excessiva entre as notas graves e as agudas. Muito bem executado, especialmente porque toda a música se baseia na interação entre o piano e a voz. É muito interessante prestar atenção ao trabalho de reverb nessa faixa. Foi feito no nível de produção ou no nível de mix? Difícil dizer, mas a faixa é tão esparsa que o reverb da voz basicamente funciona como o terceiro instrumento no primeiro verso e no pré-refrão. Repare como ele aparece no primeiro ‘Hello’ e como é diferente no segundo ‘Hello’ no início do segundo sistema de 8 compassos do primeiro verso. Legal, né? Você consegue ouvir o delay adicionado e o tratamento nele?

Timbre vocal compacto

O som vocal é muito compacto. Bastante comprimido, mas com ataque lento o suficiente para que ainda obtenhamos detalhes e pequenos ganchos nas consoantes que nos obrigam a prestar atenção no que ela está dizendo. Poderia ser mais espesso, porém. Provavelmente há um motivo para isso. Vamos ver.

Referências a outras canções na escrita

Nota lateral sobre a composição. Vamos falar sobre ‘Hello’. Não pense por um nanosegundo que Adele e Greg Kurstin não conheçam Lionel Richie. Conhecem. Eles conhecem essa música. Eles escreveram aquela linha. Pode ter sido inspiração acidental no começo, mas tenho certeza de que se perguntaram: ‘Podemos fazer isso?’ ‘É uma boa ideia?’ ’Vamos ser criticados por isso?’ ’Ousamos?’ E então decidiram que estava tudo bem. Vejo isso como uma espécie de “aliteração macro” — um gancho/som referenciado por dezenas de canções em vez de alguns versos. Você tem que ter escrito muitas canções originais excelentes que se sustentam sozinhas para conseguir isso, e eles têm. Há também outra referência interessante no verso quando ela canta ‘California Dreaming’. Isso aciona coisas. Não aciona? A linha ‘Hello’ ainda é desconcertante nas primeiras vezes, né? Fico me perguntando o que Lionel acha.

Pads e efeitos reversos

O primeiro novo instrumento aparece no pré-refrão. Um pad brilhante. E então há aquele piano/vocal invertido como um riser antes do refrão que nos lembra que isto não é 1973.

Espessura do refrão e planejamento

O refrão é apenas uma versão mais densa do verso com a nota de pedal única necessária, lá no registro agudo nas cordas. Note como a voz não desaparece nem recua no espaço quando o refrão entra, embora ela esteja cantando com força e o microfone provavelmente estivesse pedindo clemência. Alguém pensou adiante e garantiu que o som vocal do verso e do refrão combinassem. É difícil de fazer quando o refrão está uma oitava acima e cercado por muita coisa, e o verso é baixo e íntimo com muito espaço. Acho que isso explica por que o som vocal do verso foi mais contido do que poderia ter sido. Optaram por um som vocal mais uniforme ao longo da faixa em vez do melhor som possível o tempo todo. Você ouve uma pequena explosão de energia nas primeiras palavras do 2º verso, no entanto. Não teria sido legal ter essa cor durante todo o primeiro verso, por exemplo? O que você acha?

Conceito de bateria filtrada

Também digno de nota é o som da bateria. É muito difícil produzir baterias de bom gosto nessas baladas emocionais. O risco do piegas é grande com essas músicas. Kurstin decidiu aplicar um filtro passa-baixa nas baterias ao ponto de deixá-las com apenas a energia da batida, mas não com o som real. Você pode tentar isso em casa, é divertido: programe um ritmo básico, coloque um Filterfreak ou algo semelhante, escolha um ponto de frequência baixo, boom: as baterias de ‘Hello’. Were you looking for us?

Evolução do padrão de bateria

O produtor Greg Kurstin manteve o padrão apenas no bumbo para o primeiro refrão, mas usou o mesmo truque de filtragem com um padrão de bateria completo no segundo verso e no segundo refrão. O filtro nas baterias só se abre nos últimos refrões, depois da ponte, para um impulso extra de energia.

Subdivisionamento e padrão de semicolcheias

Note como há pouca ou nenhuma subdivisão nessas baterias (parece não haver hi-hat associado a elas). Em vez disso, há um pequeno padrão eletrônico de semicolcheias que aparece discretamente no meio do segundo refrão. Leva alguns compassos para que você consiga agarrar esse padrão por causa do ringue de pratos e do drama dos tempos fortes, mas ele está lá, e atravessa bem a ponte. Certifique-se de analisar como ele entra.

Crescendo sem novas linhas

Fora isso, o resto do arranjo é todo sobre sobreposição das mesmas partes com sons cada vez mais densos à medida que a canção avança. Ou seja, além de vocais extras, não há novas partes de destaque, apenas mais som tocando as mesmas coisas. Pads adicionais no refrão, sinos tubulares no tempo forte dos últimos refrões, notas de guitarra sustentadas encharcadas em reverb usadas como pads nos refrões também. Há muitos pequenos detalhes legais, como as palmas estéreo super altas apenas no tempo 2 da segunda parte do último refrão e em nenhum outro lugar (está por volta de 4.16 se quiser conferir), mas sem novas linhas, leads ou arpejos. É um grande crescendo sem informação nova.

Produção vocal

Adele cantando ao ar livre no vídeo “Hello”, referenciada na análise de composição da Puremix

Abordagem clássica de Adele e camadas

A produção vocal aqui é a clássica de Adele. Lembra singles anteriores como ‘Rolling In The Deep’. Ela canta sozinha até o segundo pré-refrão, onde a primeira harmonia entra no compasso 3. E então, no segundo refrão, ela preenche os buracos entre as linhas principais com vocais de fundo repetindo palavras-chave e engrossa as linhas principais subsequentes com harmonias. Nada terrivelmente novo, mas uma séria sobreposição e reciclagem de ideias.

Ponte e refrões finais

A ponte é construída sobre vocais de fundo “Ah Ah Ah”, uma nova parte guardada para a ponte — inteligente. Faz a ponte soar como ponte. É a primeira vez que não há voz principal na música — um descanso bem necessário.

Os últimos refrões não trazem nada de novo vocalmente, apenas mais do mesmo em conjunto com o restante do arranjo. Mais camadas de vocais de fundo apoiando a voz principal o tempo todo (difícil de ouvir, mas está lá), mais pistas de doubles nas respostas, etc, etc… Se a ideia era focar na voz, então essa produção faz isso fornecendo poucas distrações da performance de Adele.

A mixagem

O engenheiro de mix Tom Elmhirst em seu estúdio, destacado na análise de mix da Puremix sobre “Hello”

Equilíbrio sonoro geral e graves

Em termos de mix, embora seja claro que ‘Hello’ soa muito melhor do que seu anterior hit piano/voz ‘Someone Like You’ (disponível para referência em todos os provedores de streaming respeitáveis que não adotam revenue-sharing), é interessante prestar atenção ao fundo do disco. Considerando quão definido e suave tudo está acima da linha de baixo, pode ser surpreendente ver quão enxuto e nebuloso é o conjunto bateria + baixo. Confira. Basicamente não há graves nessa faixa. Por quê?

Baterias filtradas e falta de punch

Só se pode supor, mas, pela experiência, baterias filtradas assim tendem a ser difíceis de deixar gordas e definidas, o que por sua vez puxa toda a mixagem numa direção que soa meio high-passed e definitivamente nada punchy. Agora, uma música assim precisa ser punchy? Aparentemente não, a julgar pela reação do público em geral. É uma questão de gosto e prioridades, como sempre.

O que você teria feito diferente?

O que você teria feito diferente? Colocaria um baixo nessa faixa ou deixaria o baixo para a mão esquerda do pianista, como parecem ter feito aqui? Você teria adicionado uma amostra de bumbo no meio para os últimos refrões ou teria deixado o som oco como fizeram?

Gosto, sucesso e ganchos

Você gosta? Sim? Ótimo.

Não? Deve você decidir passar a gostar porque foi um grande sucesso? Quem está certo?

Boa pergunta. Obrigado por perguntar.

Enquanto você elabora a resposta, reserve 20 minutos para ouvir a canção 3 ou 4 vezes e anotar todos os pequenos ganchos que fazem desta uma boa produção com o propósito de dominação instantânea do mundo. Repare todos os pequenos detalhes subliminares, além da performance vocal dominante, que fazem as pessoas ouvirem a música repetidas vezes sem tédio, mas certifique-se de que ninguém seja chocado de qualquer forma, do primeiro ao último batimento.

Vejo você do outro lado.

Fab Dupont

Escrito por puremix