Acústica. Salas. Monitores.
Um campo adorável de magia negra, não é?

O Belo Pesadelo da Acústica de Sala
Acústica: teoria vs. realidade
Na acústica, a teoria tende a ser clara e palatável, mas a prática costuma ser um pesadelo sem fim de peculiaridades aleatórias. Se eu ganhasse uma rúpia toda vez que eu entrasse numa sala "projetada por um famoso acústico profissional" e que ainda assim soasse estranha, eu poderia me aposentar na Índia agora. Traga o Saag Paneer.
A acústica de uma sala é tão difícil de prever que até os grandes nomes da área têm de alterar seus projetos e fazer ajustes às vezes drásticos depois que a sala é construída, quando finalmente podem ouvi-la. Para salas menores, o consenso é que é basicamente impossível prever exatamente como uma sala vai soar até DEPOIS dela ser construída. E aí é difícil desmontar, certo?

Por que até salas profissionais têm falhas
Como resultado, muitas salas de controle em estúdios profissionais ao redor do mundo ainda são bem falhas e difíceis de obter uma boa tradução sonora. Claro, existem considerações estranhas que não têm nada a ver com qualidade sonora que muitas vezes entram na construção dessas salas de referência, como, sem ordem particular:
- aparência
- manuseio máximo de SPL
- custo do imóvel
- aparência
- áreas confortáveis para sentar e socializar
- aparência
- abertura máxima de janela na direção das salas de gravação
- isolamento sonoro do exterior
E aí vem o grande problema do console, além do fato de que o designer, na maioria das vezes, tem que priorizar a aparência acima de tudo.

Por que estúdios domésticos sofrem ainda mais
Trabalhar em grandes salas profissionais que soam mal é sempre uma experiência fascinante e humilhante, (especialmente já que muitas delas ainda não têm uma maneira fácil de plugar fones na seção de monitores, mas divago) então se salas profissionais construídas com bons orçamentos não são perfeitas, imagine os estúdios domésticos e salas que não foram projetadas para isso? Pois bem, eles tendem a ser péssimos. Muito.
Fui lembrado disso no último seminário da Puremix, na minha sala bastante precisa (que TAMBÉM tem ótima aparência, claro) no Flux Studios. A primeira parte do seminário foi uma sessão de audição. Cada participante trouxe uma mixagem e eu a ouvi para oferecer meu feedback. Foi incrível ouvir a consistência dos problemas nas mixagens, de pessoa para pessoa. Principalmente problemas de graves: 200Hz/100Hz/50 Hz, grandes buracos, grandes picos, nada que alguém dedicado à arte como aqueles caras ignoraria. Quando questionados, a maioria já havia autodiagnosticado os problemas nas suas mixagens antes mesmo de eu dizer uma palavra. Então por que não corrigiram isso antes de trazerem a mixagem para ser examinada na frente de uma plateia de nerds de mixagem? E por que 16 pessoas diferentes com 16 salas diferentes tinham basicamente os mesmos problemas?
A Verdadeira Razão: Salas Pequenas = Grandes Problemas
Quartos, porões, garagens: a raiz do problema
Porque você não pode consertar o que não consegue ouvir e a maioria das salas tende a falhar de maneiras consistentes.

O problema é que a maioria das pessoas reaproveita quartos, porões ou garagens para criar suas salas de mixagem e essas salas têm mais ou menos o mesmo tamanho e, portanto, exibem os mesmos problemas. É bem simples, na verdade. Mesmo os projetos mais ambiciosos começam com as dimensões e proporções herdadas da estrutura existente, que raramente são ideais. Em resumo: construir um estúdio é um exercício gigantesco e interminável de compromisso.
90% de todos os estúdios domésticos ou estúdios de nível médio que visitei têm salas de controle pequenas demais com tetos baixos. É um problema de imóvel. (Não dá pra mover uma parede de concreto sem grande despesa). Infelizmente, quanto menor a sala, mais desagradáveis são os problemas gerados e mais difíceis de consertar. Essa é a vida. Então basicamente, você já está meio ferrado antes mesmo de colocar sua (bonita) mesa naquele quarto/garagem/porão/apê conjugado, etc...
O efeito dominó das restrições
Você começa com uma desvantagem, e depois tem o problema da janela existente que geralmente está na parede onde é menos conveniente (senão não é divertido), e geralmente numa posição que é realmente irritante (bem no ponto da primeira reflexão para dar um tempero), e são as tomadas que ficam na parede errada então você só pode colocar a mesa onde faz menos sentido (senão não vai ficar certo, sabe?), e aí tem o sofá bonito que você ganhou da sua mãe (Ela espera que você use, é UM BOM sofá, ela GUARDOU pra VOCÊ, lembra?) mas claro que ele é só um pouquinho grande demais (3 polegadas talvez, o suficiente para impedir a porta de abrir direito), então não dá para colocá-lo no melhor lugar, só no segundo melhor. E a lista continua, igual à batida. (Ainda seguindo firme, sem parar)
A dor revelada pelo posicionamento das caixas
E ENTÃO você chega no ponto de posicionar seus monitores. E aí soa mal. E bate a depressão porque tudo o que você ouve é graves demais ou talvez você não ouça graves nenhum.
Qualquer um desses cenários pode acontecer dependendo do material das paredes da sua sala, do formato da sala, da cor do sofá da sua mãe (É UM ÓTIMO sofá), das caixas que você usa, do volume em que você trabalha (a sala soa diferente em níveis diferentes, claro, senão você poderia começar a confiar no que ouve e isso seria fácil demais), e do que você tomou no café da manhã naquela manhã. E então você mixa, conquista e sai pra tocar sua mixagem no carro e fica em total descrença com o que sai DAQUELES alto-falantes.
Mas o que um aspirante a produtor/engenheiro com um quarto sobrando pode fazer contra essa tragédia?
Bem, embora não seja realmente possível consertar completamente e perfeitamente uma sala existente sem obras pesadas, há algumas coisas que podemos fazer para reduzir bastante a podridão (termo técnico)
O que Você Pode Fazer: Soluções Práticas que Funcionam
Coisa 1 / Compre bass traps. Muitas delas.
Embora ajudem bastante, infelizmente há muitos problemas com bass traps.
O problema número um com bass traps é que eles são uma compra muito menos sexy do que, digamos, um Manley Massive Passive, e então as pessoas compram Massive Passives e não têm dinheiro sobrando para bass traps. O que é engraçado, porque sem os bass traps você nem consegue ouvir direito o que o Massive Passive está fazendo. Que curioso.
Por que bass traps importam mais que equipamento
A Força é forte com o Massive Passive mas, realmente, arrisco dizer que é melhor mixar "in the box" num laptop com caixas pequenas numa sala equipada com US$20K em bass traps do que numa sala sem bass traps e com US$20K em equipamento chique. Me desafie.
Essa realidade é difícil de engolir para a maioria, mas é o que tem. Culpe a Física. É o que eu faço.
O teste dos 60 Hz andando pela sala
Aqui vai um teste que pode te motivar a pensar progressivamente. É divertido e gratuito:
- Abra seu DAW
- Crie uma sessão
- Instancie um gerador de tom de teste
- Faça-o tocar uma senoide a 60Hz
- Toque a senoide mais ou menos no mesmo nível em que você mixa (alto, certo?)
- Caminhe lentamente pela sala da frente para trás, da esquerda para a direita, canto a canto, prestando atenção (sem atualizações de status)
Oh ALEGRIA! Mágica. Seus 60Hz brincaram de Houdini. Não é incrível?
Pois é, há lugares na sua sala onde o tom literalmente some completamente e lugares onde faz sua cabeça ressoar, lugares onde parece que está mudando de cor (não está, é uma senoide, você está imaginando coisas, literalmente) e lugares onde deve estar preciso. Vou deixar você descobrir qual é qual.
Como soou na sua posição de mixagem? Mais alto? Mais baixo? No ponto?
Tente de novo com 80 Hz para mais diversão.
Agora pense nisso: 60Hz é onde muita da ação acontece para uma ótima relação bumbo / baixo.
Quanto você quer bass traps agora?
Traps de canto são obrigatórios
Pelo menos, considere adicionar bass traps nos cantos. Todos os cantos. (O canto entre a parede e o teto também é canto). Cantos são malignos.
O segundo problema com bass traps é que eles precisam de bastante volume para serem realmente eficientes em corrigir problemas de graves, e como o problema original já vem de ter uma sala pequena, há apenas tanto que você pode fazer numa sala pequena existente, a menos que esteja disposto a sentar no meio de um oceano de bass traps. Vai encarar?
Então (os verdadeiros) bass traps têm suas idiossincrasias, mas são a maneira mais rápida e efetiva de consertar uma sala ruim. Experimentar é amar.
Coisa 2 / Brinque com o posicionamento dos seus monitores
Salas pequenas precisam de monitores pequenos
Hoje em dia monitores ativos colocam MUITA energia de graves na sala, o que complica ainda mais as coisas. Se sua sala for pequena, escolha monitores menores. Você não precisa de um monitor maior para ter mais graves; você precisa de uma sala melhor. Pense nos fones Beats by Dre: qual é o tamanho daquele driver? Quanto grave ele entrega? Pois é. Só o tamanho não importa, importa a interação entre tamanho, ambiente e nível desejado. Então pode muito bem ser que seus monitores coloquem tanto grave na sala que você simplesmente não consegue ouvi-lo.
Como assim?
O famoso problema do “grave que desaparece”
Sim, lembra de andar pela sua sala e testemunhar o mágico desaparecimento dos 60Hz? (Você fez o experimento, né?). Imagine esse fenômeno em todas as frequências graves. Elas todas se cancelam em algum ponto da sua sala. Em lugares diferentes. Imagine a bagunça. Agora imagine essa bagunça quando você aumenta o volume e a sala fica cada vez mais sobrecarregada.
Bagunçado.
Então primeiro, você tem que escolher o speaker certo. Só é possível fazer isso ouvindo o monitor na sua sala. Reviews online não funcionam. É como noivas por catálogo, raramente dá certo à distância. Você tem que checar a personalidade da outra parte no ambiente final de reprodução.
Em seguida, você tem que colocá-los no lugar certo. (Os monitores, não a noiva)
Em salas pequenas, geralmente é uma boa ideia seguir duas regras:

Regra 1: Evite cantos
De novo. Cantos são malignos. Faça o teste dos 60Hz e vá colocar sua cabeça nos cantos da sala. Curta a massagem no ouvido. Nada de cantos. Eles amplificam graves e aumentam a energia na sala de forma caótica. Não faça isso.
De qualquer forma, você não pode colocar os monitores lá porque os cantos estarão cheios de bass traps, certo?
Regra 2: Coloque os monitores perto da parede
Não, sério, experimente.
Se você colocar o monitor encostado na parede ele vai trabalhar com a superfície da parede e realçar a resposta de graves do monitor (sim, vai botar ainda mais grave na sala) mas você também caminha bastante para remover a maior reflexão que faz a maior bagunça, a daquela parede mais próxima de você, a parede atrás dos monitores.
Basicamente, hoje em dia, a maioria dos monitores (profissionais) (fabricados por empresas respeitáveis) entrega um espectro relativamente equilibrado. Então, se você escolheu um monitor adequado ao tamanho da sua sala, o que importa é o que a sala faz com ele, não o que o monitor soa. Colocar os monitores contra a parede minimiza modos e nós da forma mais custo/energia/tempo-efetiva. Prometo que funciona. Lembra dos soffits? Há ciência por trás desse conceito.
Nota lateral: você não consegue realmente fazer esse truque com monitores com saída traseira (rear ported), apenas com designs com porta frontal ou caixa selada. Desculpe Mackie.
Regra 3 (opcional): Mexa nos monitores
(Não é regra, apenas uma sugestão, então ficaremos com duas regras e uma sugestão, pronto)
Suspenda seu impecável senso de estilo por uma hora e mova UM monitor pela sala até reconhecer o que sai dele como 'hmm, não é ruim'. Às vezes você sente acontecer enquanto anda com o monitor nos braços (enquanto ele toca música, sim). O monitor começará a ressoar ou ficar mais alto ou mais baixo. Encontre um ponto que soe certo, então tente organizar a sala em torno disso.
É o oposto de como você montou a sala da última vez, eu sei, mas tente, mixe algo e vá pro seu carro checar os resultados.

Faça isso. Depois você pode colocar tudo de volta do jeito que estava antes da sua mãe aparecer. No mínimo, isso vai te permitir identificar pontos na sala que são menos ruins que outros e você vai aprender com isso.
Jornada pessoal do Fab com os monitores
Na minha sala (muito bem apresentada), movi os monitores uma polegada por vez durante anos até encontrar um ponto que gosto e que traduzi bem. Minha sala é bem grande (30’’X 20’’ com tetos de 11’’) e por razões de workflow eu não podia colocar os monitores contra a parede de trás. O fato é que, mesmo com esse tamanho, e dependendo da escolha dos monitores, minha sala "come" parte dos graves vindos dos monitores quando estou na posição de mixagem. Com meus antigos Dynaudio BM15s foi um inferno (eles funcionavam bem em outras salas), com o Focal Twin 6 ou SM9 fica no ponto e não tenho tido problemas de recall relacionados a graves há anos. (O SM9 não funciona tão bem na minha sala de baixo porque é pequena demais. Que chato).
Coisa 3: Não Meça a Sala (Sério, Não Meça)
Medições RTA vão arruinar sua vida
Não tente medir a sala precisamente com software RTA.
A menos que você tenha uma constituição mental e fisiológica muito forte (Isso é um conselho de saúde, que não conta como regra, então ainda são duas regras, uma sugestão e um conselho de saúde. Preste atenção por favor)
Não meça sua sala com um sistema RTA improvisado. Não faça isso. Vai arruinar seu dia. Garantido. Potencialmente sua vida, eu acho. É possível. Já vi isso acontecer na internet.
Enfim, medir sua sala com capacidades RTA caseiras não te trará nada além de depressão, destituição, miséria e profundo sentimento de inutilidade.
Por que saber "o quão ruim é" não ajuda
Porque:
A/ Todas as salas são ruins, tanto em resposta de frequência quanto, pior, em domínio do tempo.
Sua sala é ruim. Eu não estive lá pessoalmente, mas posso assegurar que é. É 100% certo.
A única variável debatível é o quão ruim ela é. Eu entendo a vontade de saber tudo em detalhes, mas:
B/ Como você provavelmente não sabe interpretar os resultados do RTA de forma construtiva (eu mesmo não sei direito e já me esforcei), você não vai conseguir agir sobre esses resultados de forma real, então basicamente você está se colocando na posição de vítima servil sem poder de escapar das regras inflexíveis da acústica.
C/ E, mesmo que você saiba ler o gráfico (Você teria que saber ler os plots de frequência, especialmente quais sensibilidade e configurações de oitava usar para não se tornar louco, saber ler o domíninio do tempo/waterfall, entender a diferença entre banda completa, sweeps e testes de frequência única, etc, etc…), mesmo que você faça o que estou dizendo, seguir os conselhos formidáveis acima te levará a boa parte da solução usando recursos normais e bastante acessíveis. Você não precisa ser uma vítima do TMI (Too Much Information, na gíria de LA)
Neste caso e somente neste (exceto talvez em alguns casos de noivas por catálogo):
Ignorância é felicidade.
Em minha longa e dolorosa experiência pessoal, saber o quanto sua sala é ruim é mais ou menos a mesma coisa que saber quantos bugs seu DAW tem. Não é útil. Não é esclarecedor. Apenas deprimente.
Tradução importa mais que gráficos
O que importa é a tradução. E a diversão. No fim das contas, não importa se sua sala não é perfeitamente plana desde que você consiga entregar mixagens que soem ótimas em todos os lugares, e que a jornada para chegar nessas mixagens seja um prazer. Ponto.
O Único Caminho a Seguir
Então, já que sua sala provavelmente é um problema, tente os passos acima antes de recorrer a qualquer outra coisa, tipo beber pesado ou drogas duras. Essas não vão ajudar muito (pelo menos para a sala), mas há uma saída: Bass traps nos cantos, ajuste do posicionamento dos monitores, mixe e compare. Faça progresso. Aproveite a vida.
Não se preocupe demais com os detalhes e não deixe que o RTA-de-1/24-de-oitava-te-deixe-para-baixo, não, não, vamos em frente.
Você tratou sua sala ou mexeu nos monitores ultimamente? Está conseguindo uma resposta de graves melhor? Conte pra gente nos comentários