O Processo Moderno de Composição Pop
A forma atual de escrever músicas Pop consiste em ‘toplines’ sobre ‘beats’. Na prática, isso significa que um grupo de pessoas mexe em computadores em estúdios, quartos, quartos de hotel ou ônibus de turnê, juntam o maior número possível de ideias usando plugins e o que mais lhes agradar, deixam as faixas o mais próximas possível de um disco pronto e então entregam os instrumentais para alguém que é bom em criar melodias e letras pegajosas. E bum: hit. Às vezes. Esse processo um pouco desconexo (é um caminho longo desde alguém chorando com o violão para expurgar a dor do último término, por exemplo) tende a produzir músicas que são mais lineares e formulaicas. É difícil escolher uma tonalidade quando você não sabe quem vai cantar a música, ou é difícil escrever uma ponte que pareça uma ponte se você não sabe qual parte da faixa será o refrão logo antes dela. No geral, na minha opinião, tende a produzir músicas bem genéricas.
Unless the team is good. Very good. Like, for example, the Diplo team.
Apresentando “Lean On”
A faixa de hoje é uma colaboração entre Diplo, sob o nome Major Lazer, DJ Snake e com participação vocal de Mø, chama-se (Somebody to) Lean On.
Ouça aqui:
iTunes: https://itunes.apple.com/de/album/lean-on-feat.-m-dj-snake-single/id970116761
Spotify: https://play.spotify.com/album/1SI0AMK6rb2J8S0Jazli9D

A Assinatura Sonora de Diplo
A primeira coisa que acho fantástica na faixa é que na primeira vez que a ouvi soube que Diplo esteve envolvido na produção dentro de 4 tempos do refrão. É impressionante ver alguém desenvolver um som distintivo através de vários estilos musicais. Hoje em dia é raro o suficiente para ser notado. Dá para ouvir truques de tratamento vocal por toda a faixa que lembram o ‘Turn Down for What’ do DJ Snake (particularmente no refrão e na ponte), mas o cerne do som da faixa me soa muito Diplo.
Estrutura e Arranjo
Como o Formato da Rádio Evoluiu
Em termos de estrutura, essa música é um bom exemplo de para onde a rádio foi desde que o EDM tomou conta, independentemente de a faixa ser EDM ou não. Neste caso, o mesmo loop de 4 acordes sustenta verso, refrão e ponte; a introdução é apenas o primeiro acorde repetido 4 vezes (Isso é um sinal claro de que isso começou como uma ideia instrumental de batida, provavelmente em Ableton Live, no laptop de alguém).
Verso em Duas Partes
O verso tem duas partes, 8 compassos cada. Nos primeiros 8 compassos não há bateria e então o bumbo entra na segunda parte de 8 compassos. Essa segunda parte meio que parece um refrão, mas na verdade não cresce tanto, então na primeira audição funciona como uma espécie de pré-refrão que conduz ao refrão instrumental no estilo EDM.
Tendência do Refrão Instrumental
Essa seção também tem 8 compassos, com os mesmos acordes, mas com o instrumento principal sendo um sample vocal em vez do cantor contando uma história memorável. Muitas músicas hoje em dia fazem isso; vem das estruturas voltadas para pista de dança. Muitos produtores/compositores atuais formaram seu gosto tocando discos para plateias de clube e trouxeram essa forma de criar emoção para o mundo do pop. Diplo é definitivamente um desses caras.

Simetria do Segundo Verso
O 2º verso volta a reduzir a energia e se desenrola perfeitamente simetricamente ao primeiro verso. ‘Verso, então pré-refrão, então refrão’. Imagem espelhada.
Ponte Clássica com Toques Modernos
Depois vem o breakdown/ponte. Até aqui uma estrutura muito clássica, não tão diferente do formato padrão de rádio, salvo pelo refrão instrumental. Temos uma pausa de 2 compassos do loop de acordes e então chegamos à ponte, que é uma extensão/desenvolvimento do conceito do refrão com o sample vocal. Em seguida voltamos à parte do pré-refrão, que agora meio que parece um refrão depois de termos ouvido três vezes. Então, qual é o refrão?
Qual Parte É o Refrão?
A parte 'Blow A Kiss' ou a parte ‘Wheee ahh whheee ooo’? Você decide. Talvez precisemos inventar um novo nome para esses tipos de seções. No geral a música tem 2 minutos e 57 segundos. Eles podiam ter adicionado mais um refrão instrumental depois daquele último pré-refrão, mas decidiram não fazer isso. Provavelmente foi difícil abrir mão daquele final frio e da última linha quase hino cantada por Mø 'Somebody to lean on!'. Teria soado artificial adicionar essa linha no fim de um refrão instrumental e significaria caos para o restante da estrutura ter que rearranjar tudo para encaixar esse extra sem que a música ficasse um minuto mais longa. Esses tempos são difíceis de gerenciar. São tempos para jams reggae chapados, não para hits pop hiper lavetados. Provavelmente foi a maneira mais eficiente de fazer isso. Funciona muito bem.

Abordagem de Mixagem e Produção
Mixagem Antes das Vozes Serem Gravadas
Em faixas desse tipo, produção e mixagem tendem a acontecer ao mesmo tempo, ou seja, a música está praticamente pronta, mix incluída, antes mesmo da voz ser gravada (a mixagem é retocada depois que as vozes ficam prontas, mas já vi faixas seguirem assim). Isso cria desafios interessantes. Quem já mixou uma faixa inteira e desmutou a voz por último sabe como é difícil deixar espaço para o instrumento mais importante da mixagem quando você não sabe qual ele será. É uma forma de arte e na equipe do Diplo alguém parece ser muito bom nisso. Como eles fazem? Primeiro, note como o mesmo loop de 4 compassos sustenta a faixa inteira, mas seu timbre muda ao longo dela.

O Loop de Quatro Compassos em Evolução
Há um filtro tipo Moog abrindo e fechando constantemente dentro das seções. Faça um teste entre o primeiro refrão e o segundo verso, por exemplo (a transição entre os dois é super óbvia). Isso ajuda a manter a faixa viva sem ter que inventar novos elementos e ocupar muito espaço. Tente acompanhar o timbre desse loop de acordes ao longo da música. Veja se você consegue ouvir transientes ficando mais incisivos em algumas seções também. Esse elemento faz a música. É o esqueleto de tudo. É difícil construir 3 minutos de música em cima de um loop de 4 compassos e mantê-la interessante o tempo todo. Grande inspiração aí.
Construção da Bateria e do Baixo
Interação entre Bumbo e Sub
Quanto à bateria, essa faixa é muito interessante. Diplo tem uma fascinação por tudo que é Reggae e Dancehall e isso aparece aqui e em todos os outros discos do Major Lazer. O bumbo é algo legal de observar. Parece gordo, mas na verdade não é tão espesso assim. Se você prestar bastante atenção, ouvirá que a base grave da faixa vem de um som de synth sub-bass, provavelmente uma simples onda senoidal, que fica logo abaixo do kick permitindo que o bumbo seja enxuto e com ataque. Confira. Você pode precisar de fones para isso. O sub-bass toca notas sustentadas por compassos inteiros, sem groove lá embaixo, exceto por um ou dois compassos no 2º verso. Isso deixa todo o espaço para os padrões de bumbo fazerem o que precisam. Acho muito legal ver que o bumbo não faz apenas o padrão padrão four-on-the-floor. Veja o 2º verso e a ponte. Grooves quebrados bem legais ali.

Grooves, Swing e Contraste
Minha parte favorita é o groove sujo de chimbal/palito na parte instrumental do refrão. Vale a pena ouvir várias e várias vezes. Acho que é isso que faz a faixa. É tão sujo e porco que faz o groove balançar de forma mágica. O leve swing é a chave. Também repare nas pequenas roulades de semicolcheias no hi-hat que aumentam o groove no refrão. Note o efeito dos fills retos versus o pocket com swing. Está tudo nos detalhes. Muitos desses elementos são reaproveitados com bom gosto. Por exemplo, os estalos do 2º verso são usados no último pré-refrão. A equipe usou as baterias para contrastar as seções, já que os acordes são os mesmos ao longo da faixa. É um bom exercício passar por cada seção e ver qual som de bateria toca qual parte e como eles se relacionam. Por exemplo, o bumbo do primeiro pré-refrão e o do primeiro refrão não soam iguais. O do refrão é mais pesado. Isso ajuda a faixa a crescer. Os poucos bumbo do segundo verso são iguais aos do 1º refrão, mas tocam um padrão diferente para não roubar a cena. Então o 2º pré-refrão chega com o mesmo padrão e timbre de bumbo do 1º refrão. São ajustes sutis, mas fazem a faixa se mover com elegância. A batida da ponte é completamente diferente de todas as outras seções, mas os timbres são os mesmos. Depois voltamos para a batida reta com backbeat acrescentado na forma dos estalos reaproveitados do 2º verso. Tudo muito elegante e com sonoridade moderna. Difícil de fazer bem.

Texturas Vocais e Design Sonoro
Amostras Vocais como Texturas Principais
Eles arrasaram. Outra forma como eles constroem as seções é usando tratamentos malucos de samples vocais por todo lado. Dá para passar horas tentando descobrir o que toca em cada lugar. Tente ouvir a faixa em três passes com grande foco em tudo acima da linha da batida. Garanto que você ouvirá novos trechinhos vocais a cada passagem. Eles usam vocais como suas texturas principais, como o oooh-ooohhh nos pré-refrões, o animado 'hey' nos refrões instrumentais, o longo ‘heeeeeeooooo’ no segundo, etc, etc… O oooh-ooohhh nos pré-refrões é dobrado com algum tipo de som parecido com sino uma oitava acima, mas a textura é majoritariamente vocal e soa meio synth. O animado 'hey' nos refrões instrumentais é meio como um backbeat de guitarra reggae, mas baseado em vocal.
É divertido tentar rastrear todos os pequenos gritos encharcados de reverb ou delays, e todos os truques de transição com reverbs invertidos. Vai te manter ocupado por um tempo. Para os truques vocais mais óbvios, confira o grave na seção de introdução, veja como ele se relaciona com o lead da ponte. Também ouça atentamente as diferenças entre o primeiro e o segundo refrão instrumental para algumas intervenções vocais tratadas legais (com letra) que só acontecem na segunda vez. Bacana, né?
Truques e Posicionamento da Voz Principal
A voz principal recebe sua cota de tratamentos e truques. Repare nas duplicates de uma linha só, nos throws de reverb e delay que mudam constantemente, nos efeitos de stutter. Eles também fazem um bom trabalho contrastando localizações vocais. Veja os pré-refrões: a chamada, ‘Blow a Kiss, fire a gun’ é central e difusa usando muitas doublagens e harmonias; a resposta ‘We all need somebody to lean on’ é bem localizada em estéreo, muito mais focada. Sinta como isso funciona. Muito, muito tempo foi gasto construindo essa faixa e esses tratamentos vocais.
Sons Únicos de Lead na Ponte
Falando em vocais tratados, é justo dizer que o som de lead na ponte é muito único e legal. Definitivamente não é preset. Esses caras fazem o próprio som. Como você acha que eles fizeram aquilo? Descubra e nos mande um cartão-postal. Provavelmente deveríamos gravar um vídeo sobre esse tipo de tratamento.

Elementos Sonoros Adicionais
Sweeps, Shanks, Pads e Escolhas de Mixagem Mais Brilhantes
Por fim, é esclarecedor prestar atenção aos poucos outros timbres de synth que não são vocais. Note o ‘swoosh’ usado na transição do verso 1 para o pré-refrão 1. É coisa clássica de filtro sweep, mas é discreto o suficiente para fazer o trabalho sem ser cafona. Veja como eles usam esse truque repetidas vezes em várias transições. Também gosto particularmente do 'shank' com cara de reggae que entra no pré-refrão 2. Há também um pad agudo entrando nos refrães instrumentais, é sutil, veja se consegue perceber. Sonicamente a mixagem pode estar um pouco mais brilhante e mais comprimida do que alguém apreciaria, mas provavelmente é uma consequência do processo discutido acima. Também é masterizada bem alta, o que não ajuda. Os balances, porém, são ótimos. Então, embora isso talvez não entre na sua pasta de ‘faixa de referência sonora’, não entra na minha, deveria definitivamente entrar na sua pasta de ‘faixa de produção fodona’. Para mais coisas desses caras, confira ‘Where are You Now’ sob o nome Jack U, e passe um tempo navegando pelo álbum Free the Universe do Major Lazer. Diplo tem se mantido ocupado.
Rewiiiiiiiiiiind!
Fab Dupont