Jay-Z “Tom Ford” Mix Breakdown: A Análise da Mixagem — A Produção Minimalista de Hip-Hop de Timbaland Explicada

De vez em quando, enquanto você está na fila esperando para pagar seu queijo e frios, cuidando da sua vida, toca uma música no sistema que é tão estranha/daora/especial/perturbadora/etc que você tem que largar a cesta, tirar o celular do bolso, ligá-lo, passar por páginas de apps muito rápido para conseguir shazam/soundhound a música antes que ela acabe. Naquela vez para mim, quando terminei parecendo idiota com o celular lá no alto acima da cabeça e olhei para a tela para descobrir qual era a música, estava escrito: Jay-Z / Tom Ford.

Por que essa faixa funciona

Hip hop como playground

Hip hop é divertido. É divertido porque não há regras musicais ou sonoras. É uma corrida de portas abertas para encontrar algo legal e inédito. Às vezes gera caos e, às vezes, permite que as pessoas sejam muito criativas. Timbaland produziu essa faixa e, geralmente, isso significa criatividade excepcional.

Uma construção minimalista e inteligente

A faixa é curta, cerca de 3 minutos. É enganadoramente simples e bastante inteligente na construção. A espinha dorsal da batida, o motor da música, são aqueles três tons descendentes estilo triolets (doo doo doo) e o bumbo no "and" do segundo tempo. Em cima desse esqueleto Timbaland articulou duas cenas simples: uma de 4 compassos com um trecho percussivo tipo bongo com reverb e uma de 4 compassos com a textura tipo Nintendo. É só isso. Exceto pelo outro, mas chegaremos lá depois. Parece fácil construir uma música com apenas uma batida e 2x4 compassos de "looks"... mas não é. Primeiro, é preciso inventar algo que seja suficientemente novo e chamativo para merecer atenção. Segundo, é preciso saber fazer muito com tão pouco material sem ceder à tentação de acrescentar mais e mais coisas para "preenchê-la".

A dificuldade da simplicidade

Na minha opinião, música simples é a mais difícil de executar. Assim como o inferno do tempo é um lento 68 bpm, e não um 168 bpm rápido e exibicionista, o inferno da produção é ter 8 faixas do Ableton Live com 2x4 cenas e a pressão de fazer algo realmente novo e ótimo, mais do que um arranjo com 100+ faixas e tudo layerizado 18 vezes.

Como eles conseguem isso nesta faixa? Boa pergunta, obrigado por perguntar. Uma resposta simples: permutações.

Desdobramento estrutural

Du​as cenas, uma batida

Note como eles casam esperta​mente cada "look" com diferentes seções da música. Primeiro, a introdução é só a batida da bateria, mas com o acento do baixo no "and" do segundo tempo. Jay Z entra imediatamente. Depois ouvimos o hook lírico, 'Tom Ford', sobre a cena do bongo. O que foi aquilo? Intro, refrão logo no começo? Verso? Ainda não sabemos.

Verso / Pré-refrão / Refrão via permutações

Depois disso, as 2 cenas principais se alternam sem parar, mas as seções líricas ficam defasadas, veja: Os primeiros 4 compassos do verso estão sobre a cena Nintendo. Então os próximos 4 compassos do verso voltam sobre a cena do bongo. Em seguida, os próximos 4 compassos do verso na cena Nintendo.

Repetição macro inteligente

(Perceba como a letra de abertura da música é repetida, mas com uma sensação muito diferente agora com a amostra por baixo, uso inteligente de aliteração macro e repetição aqui) A próxima cena de bongo traz o pré-refrão por 4 compassos e então o refrão chega. O refrão é apenas as palavras 'Tom Ford' sobre a cena Nintendo. É isso. Já tínhamos ouvido todos esses elementos antes, mas não nessa combinação e a repetição faz com que pareça um refrão.

Por que a alternância funciona

Volte no início da música e observe como a introdução estabelece toda a alternância de cenas para chegar exatamente a esse ponto. Esperto.

Variação no segundo sistema

Para o segundo sistema da música, eles repetem a operação, mas com um verso mais curto. A razão é que eles mantêm a alternância bongo/Nintendo perfeita, mas precisam de uma cena Nintendo a menos para tornar o refrão Tom Ford + Nintendo possível (sem intro para competir com o conteúdo). Não sei ao certo, mas pelo conteúdo lírico eu arrisco dizer que os primeiros 4 compassos do 1º verso foram adicionados para permitir essa alternância mágica, permitindo colorir a letra com os humores e vibrações alternadas das duas cenas, e modelar as diferentes seções da música apenas com truques de mix and match.

A mudança no outro

O outro é a primeira quebra na estrutura A/B. Ainda é baseado numa versão dos tons descendentes e em alguma versão reciclada da amostra Nintendo e letras reaproveitadas do início da música. Ainda assim soa completamente novo por causa de como esses elementos são tratados. Principalmente time stretch e mudança de pitch. Alguém se divertiu com o Melodyne ali. A única coisa realmente nova é a voz feminina, provavelmente Beyonce, mas todo o resto é uma versão picada de algo que já ouvimos antes, mesmo que às vezes seja difícil identificar. Minimalista e muito eficiente. Como o resto da faixa.

Análise sonora

Um grave espesso e controlado

Sonicamente, esta é uma faixa com som gordo. A chave para fazer um disco soar encorpado é limitar a quantidade de faixas. Hip hop é perfeito para isso se a equipe souber o que está fazendo. A equipe do Timbaland sabe. Esta é uma ótima faixa de referência para checar os graves nas suas próprias mixagens ou para checar os graves em salas que você não conhece (uma boa adição a Angel by Massive Attack).

Faixas mínimas = impacto máximo

Eu diria que a sessão não mixada parecia assim: faixa de riff de tom, faixa de bumbo/palmas, faixa de sequência de hi-hat, faixa de resposta de baixo, faixa de sample de bongo, faixa de sample Nintendo, faixa de resposta de baixo do sample Nintendo, faixa de vocal principal. Pronto. O resto são um monte de pequenas intervenções, vocais fazendo 'aw!!', alguns doubles de lead aqui e ali, palminhas e a Beyonce no final, tudo para decoração. A parte principal da música cabe em 8 faixas com outras 10 para incidentais. Esse tipo de sessão permite ao mixador realmente gastar tempo fazendo tudo soar especial. Menos faixas significam mais tempo e mais espaço para trabalhar.

Tratamento vocal e contraste

Note como o tratamento vocal e os níveis mudam o tempo todo. O nível da introdução e o primeiro nível do Tom Ford são diferentes. Depois o verso tem outro nível. Isso ajuda a fazer a faixa crescer, já que todo o resto é estático. O vocal é majoritariamente bem seco, com alguns pequenos delays aqui e ali para acentuar certas palavras, mas a sensação do pré-refrão é criada apenas adicionando um pequeno slap de delay no lead. Confira. E então um reverb leve é adicionado para o refrão 'Tom Ford'. Só. Depois volta para super seco no verso. Lave e repita.

Dinâmica e campo sonoro

A faixa é bastante dinâmica para hip hop, com até 8 dB de fator de crista em algumas seções. É por isso que soa bem. Note como o campo sonoro é muito amplo e como o reverb nos samples de bongo e Nintendo criam um efeito 'da frente para trás' contra os tons secos e o bumbo, com o vocal encaixado bem no meio.

Micro-detalhes escondidos na mixagem

Por fim, veja se você consegue pegar todos os pequenos detalhes que estão misturados bem baixos para manter você ouvindo. Provavelmente você vai escutar essa faixa 10 vezes e ainda assim ouvir coisas novas, o que é incrível considerando que parece que não há nada ali, não é?

Por que esta é uma ótima faixa para aprender

Criatividade + execução

Quer você goste de hip hop ou não, e goste de Jay Z ou não, isso é um ótimo estudo pela novidade das ideias, a execução impecável, a impressão sonora do que um arranjo verdadeiramente esparso permite ao mixador fazer com a parte de baixo da faixa e a forma interessante como os vocais são mixados para dentro e fora da música.

Arranjos esparsos feitos da forma certa

Muito do hip hop é criativo, mas por alguma razão soa mal. Esta faixa arrasa em todos os níveis, além de a premissa lírica ser divertida.

Aproveite o groove, yo.

Abraços,
Fab Dupont